Os livros na Idade Média
O Acesso ao Livro
Sem refazer aqui toda a história do livro medieval, convém antes recordar que sua confecção e circulação são sempre cercadas por múltiplos obstáculos que lhes tornavam difícil o acesso.
O primeiro e principal obstáculo era de ordem econômica. O livro custava caro. Esse custo vinha, antes de mais nada, do preço do suporte. Um livro requeria grande quantidade de pergaminho (de acordo com o formato do livro, obtinha-se de dez a dezesseis folhas por pele) e o pergaminho era um material oneroso. A difusão do papel chiffon, ocorrida na Espanha desde o século XII, na França no XIII, permitiu baixar o preço. Mas é somente no século XIV e, sobretudo, no XV que o uso do papel se difundiu largamente no domínio do livro manuscrito. Com igual superfície, calculando-se a partir de documentos franceses, o papel podia tornar-se cinco vezes mais barato que o pergaminho no século XIV e até treze vezes mais barato no século XV, graças à melhoria das técnicas de papelaria e à multiplicação das oficinas de papel. Mas em outros lugares, especialmente na Alemanha, a diferença foi, sem dúvida, menor.
De qualquer modo, o ganho sobre o preço total do livro permanecia relativamente limitado, na ordem de 10 a 20% somente em relação às obras em pergaminho. A relativa modéstia desse ganho permitiu a esse tipo de livro guardar uma posição suficientemente sólida, visto que muitos letrados parecem ter tido um preconceito desfavorável contra o livro de papel, julgado, ao mesmo tempo, menos nobre e menos sólido, sobretudo para os textos importantes e para obras pelas quais o dono se apegava, desejando transmiti-las aos descendentes.
Na realidade, o fator principal do elevado preço dos livros era o custo da cópia. Os bons copistas eram raros. No final da Idade Média, os scriptoria monásticos haviam perdido o essencial de sua importância e a maior parte dos escribas seriam, doravante, artesãos profissionais que se encontravam principalmente em grandes cidades, especialmente aquelas que abrigavam uma clientela importante, quer dizer, as capitais da nobreza e as cidades universitárias.
Mesmo deixando de lado o caso dos livros de luxo ornados de miniaturas, verdadeiras obras de arte destinadas sobretudo aos prelados, aos grandes senhores e aos reis, a confecção de livros tomava tempo. Os bons copistas trabalhavam lentamente> por volta de duas folhas e meia por dia, em média.
Por outras palavras, em um ano, um bom copista produzia apenas cinco livros de duzentas folhas; ou ainda, se preferirmos, para chegar a fornecer mil livros deste tipo em um ano, não se poderia ter menos de duzentos copistas trabalhando o tempo inteiro. Nas cidades universitárias, onde mestres e estudantes tinham necessidade de muitos livros, mas dispunham de limitados recursos financeiros, procurou-se reduzir a um mínimo o preço de revenda dos livros: pequenos formatos, linhas apertadas, escrita mais cursiva, multiplicação das abreviaturas permitiam economizar o pergaminho ou o papel, sempre ganhando um pouco de tempo de cópia.
A adoção do sistema de pecia, que acelerava a rotação dos exemplares a serem reproduzidos, permitia igualmente melhorar a produtividade dos escribas, sempre preservando a qualidade dos textos postos em circulação. (1)
Nessas condições, acredita-se que muitos escolheram uma solução bem menos onerosa — mas que não garantia mais a correção dos textos transcritos —, que consistia em encomendar a qualquer copista "amador" — um capelão necessitado ou um estudante pobre, por exemplo — a cópia do livro desejado.
O problema do preço real dos livros medievais é uma verdadeira pedra no caminho dos pesquisadores. (...) Algumas conclusões relativamente seguras, entretanto, impõem-se (deixo aqui de lado os livros de luxo das bibliotecas principescas). (...) Inicialmente, os preços dos livros eram extremamente variados. Os mais caros, geralmente as grandes Bíblias ou os volumes glosados dos Corpus Iuris Civilis ou do Corpus Iuris Canonici, custavam uma dezena de livras de Tours (para tomar uma unidade de medida francesa). Mas existiam, ao lado disso, inúmeros pequenos volumes, por vezes sob a forma de simples cadernos soltos, nos quais se anexavam "anotações" de cursos, alguns fragmentos de questões disputadas, de sermões, de breves tratados práticos etc. eram vendidos por algumas poucas moedas.
Em seguida, os preços parecem haver variado praticamente do simples ao dobro, conforme se tratassem de livros novos ou livros de segunda mão. O mercado de livros de segunda mão era, com efeito, muito ativo, especialmente nas cidades universitárias, onde ele era alimentado pelas obras colocadas à venda por estudantes em necessidade ou deixando a universidade, por aqueles que emprestavam sob penhor, pelos colégios se desvencilhando de seus exemplares repetidos, por herdeiros liquidando a biblioteca de algum tio cura ou cônego, etc.
Pode-se em tais condições, estabelecer o "preço médio" do livro medieval? (...) Talvez seja interessante notar que em Paris, por volta de 1400, o "preço médio" de um livro correspondia aproximadamente a sete dias de "salário e pensão" de um notário ou secretário do rei; nessas condições, vê-se que qualquer personagem (ora, há que se recordar que os notários e secretários do rei eram em Paris, no final da Idade Média, com os conselheiros do Parlamento e os professores da universidade, os principais donos de bibliotecas privadas) praticamente não teria podido, mesmo considerando a compra de livros em um quarto de seus proventos — hipótese evidentemente otimista — adquirir mais de duzentos e cinqüenta volumes em vinte anos de carreira. Na realidade, a mais importante das bibliotecas privadas parisienses cuja composição conhecemos, aquela do escrivão do parlamento Nicolas de Baye, nessa época, em 1419, permanecia bem abaixo dessa cifra teórica, com 198 volumes dos quais uma parte foi adquirida por doação ou herança.
Pudemos reconstituir, seja pelo exame dos manuscritos subsistentes, seja pela análise dos inventários e dos testamentos, um número bastante grande de bibliotecas privadas do final da Idade Média. No caso da França esses estudos permitiram, primeiramente, mostrar que, uma vez colocados à parte o rei, os príncipes de sangue e os grandes senhores, os homens de saber são praticamente os únicos a possuírem, até o final do século XV, bibliotecas de alguma importância. Para além delas e, até em meios onde os indivíduos alfabetizados não deveriam faltar — pequena e média nobreza, mercadores, baixo clero — os livros eram praticamente ausentes; aqui um fragmento de crônica, ali um livro de horas e uma vida de santo, acolá ainda uma coleção dos estatutos sinodais não podem evidentemente ser caracterizados como bibliotecas.
Entre os próprios homens de saber, as coleções de livros possuíam importância variável. A biblioteca de um estudante, ainda que abastado, não ultrapassava praticamente, em média, uma dúzia de volumes: os livros de estudos fundamentais, de um lado, uma ou duas coleções de textos religiosos, de outro. Seus professores, que tinham necessidade de uma pequena biblioteca pessoal para preparar seus cursos, eram um pouco melhor aquinhoados e possuíam, para além das "autoridades" de base, um determinado número de comentários e tratados modernos; isso representava, no mínimo, cerca de trinta livros. Contudo, alguns mestres, mais ricos ou de espírito mais curioso, possuíam bibliotecas que alcançavam ou até ultrapassavam uma centena de volumes. Foi igualmente com essa cifra média de uma centena de volumes que se organizaram as bibliotecas de homens do Parlamento de Paris por volta de 1400. Tais cifras não eram sensivelmente ultrapassadas, a não ser nos casos de verdadeiros bibliófilos (como o escrivão Nicolas de Baye ou, cinqüenta anos mais tarde, Roger Benoîton, antigo notário e secretário do rei que manteria orgulhosamente o catálogo comentado de 257 livros de sua coleção pessoal), ou de personagens que haviam acedido a altas funções (...).
A dimensão média das bibliotecas teria aumentado do século XIV par o XV? Sem fornecer resultados muito precisos, as pesquisas recentes parecem indicar uma tendência nesse sentido. (...) A produção de livros novos tinha diminuído sensivelmente na França, entre 1350 e 1450, em virtude da crise econômica geral do período, e podemos pensar que se tratava de uma tendência comum a toda a Europa ocidental. Porém as bibliotecas não continham apenas livros novos. A existência de um ativo mercado de segunda mão e a cuidadosa conservação dos manuscritos antigos — a esperança de vida dos livros medievais, sobretudo os mais úteis e os mais caros, era certamente bem mais do que secular — permitiam às coleções aumentarem pelo simples efeito da acumulação. Entretanto, o crescimento não foi considerável. Em certo número de casos, foi a aparição de belíssimas bibliotecas, com inúmeras centenas de volumes, que parecem ter elevado a cifra média, mais do que um aumento generalizado.
Os proprietários de bibliotecas consideravam-nas verdadeiros tesouros e as tratavam com o maior cuidado. O valor de um livro era, para um homem de saber, simultaneamente simbólico e material. Cuidadosamente conservados dentro de um cofre ou armário, os livros proclamavam a ciência de seu proprietário. Freqüentemente adquiridos junto a livrarias de universidades, por vezes despachados com altos custos de Paris ou de Bolonha, os livros eram indissoluvelmente ligados aos estudos e aos diplomas. A entrega de um livro ao candidato não era um dos gestos rituais das cerimônias de doutorado? Por outro lado, toda biblioteca de alguma importância possuía um alto valor de mercado. Ela representava uma forma de entesouramento, um capital tanto intelectual quanto financeiro que se pretendia legar aos seus herdeiros, se eles empreendessem seus próprios estudos, fosse num colégio, fossem em alguma igreja. Os juristas sempre se bateram para que os livros não fossem computados quando os oficiais do imposto vinham avaliar seus bens móveis; a seus olhos, esse privilégio não era apenas uma apreciável vantagem fiscal — porque não era raro que tais livros representassem, em valor, a metade ou mais do capital imobiliário — mas também o reconhecimento público da nobreza do seu saber e das atividades que eles exerciam a título de sua competência intelectual. Não mais do que as armas do cavaleiro, os livros do doutor não deveriam recair nas malhas do imposto.
Será que a relativa simplicidade das bibliotecas privadas poderia ser compensada pelo recurso às bibliotecas públicas ou pelo menos — a noção de serviço público sendo evidentemente anacrônica nesta matéria (2) — institucionais? Existiam, na época, três tipos de bibliotecas que poderiam merecer tal qualificação.
Primeiramente, as bibliotecas principescas. Na altura da morte do rei da França Carlos V (1380), sua "livraria" do Louvre contava com pouco menos de 1300 volumes; no século XV, o duque de Bourgogne Filipe, o Bom teria tido uma biblioteca com cerca de 880 livros. POr seu turno, os papas de Avignon enriqueceram sem cessar suas coleções de livros. Eles possuíam mais de dois mil quando morreu Urbano V, de acordo com um inventário de 1369. (...) As bibliotecas dos príncipes e dos pontífices eram abertas ao público? Seu catálogo preciso deixa supor que pelo menos os familiares do soberano, seus visitantes distintos e seus conselheiros políticos tinham acesso a elas.
Vinham, em seguida, as bibliotecas das catedrais, dos mosteiros e dos conventos. Tratava-se, em geral, de antigas coleções que, excetuando-se as dos religiosos mendicantes, não foram especialmente enriquecidas no final da Idade Média, mas haviam sido extremamente importantes (mais de 300 volumes em Notre-Dame de Paris em finais do século XV, 486 na catedral de Reims em 1462, e mais ainda nos mosteiros: por volta de 1450-1460, havia cerca de 1600 volumes em Saint-Denis ou em Claraval na França, 1100 em Monte Cassino na Itália, 800 em Melk na Áustria, etc.); a conservação dos manuscritos mais antigos lhes era bem assegurada. Seria lá, como constataram os humanistas italianos "editores" de autores antigos, que teríamos a maior chance de descobrir manuscritos particularmente veneráveis, remontando, algumas vezes, à renascença carolíngia. Mas de resto, tais bibliotecas eclesiásticas eram, sobretudo, ricas em textos religiosos e em livros litúrgicos que não eram necessariamente úteis para os homens de saber. Aliás, nem se sabe ao certo se elas eram completamente abertas a outros leitores que não fossem os cônegos e frades que serviam essas igrejas ou aqueles mosteiros.
As bibliotecas mais "modernas" eram as dos conventos mendicantes, cujos estudantes, leitores conventuais e pregadores, compartilhavam do espaço, sobretudo, no caso caso dos colégios e universidades.
Os principais colégios universitários tinham uma biblioteca cujo núcleo era geralmente constituído pela própria biblioteca do fundador, que vinham completar as doações posteriores, dos benfeitores ou antigos membros do colégio. Era assim que o colégio da Sorbonne possuiria, desde 1338, uma biblioteca de 1772 volumes que a tornavam então, sem dúvida, a mais bela da França; o colégio de Navarra em Paris e o de Foix em Toulouse deviam, os dois juntos, abrigar cerca de 800 volumes por volta de 1500. Os outros colégios possuíam coleções muito mais modestas, mas por vezes, preciosas: cerca de 200 livros no colégio d'Autun em Paris (1462), 150 no colégio d'Annecy em Avignon (1435), 78 no colégio de Pélegry em Cahors (1395), etc. Os colégios ingleses parecem oferecer cifras da mesma ordem (...). Uma das mais célebres bibliotecas de colégio foi, no final da Idade Média, a do Collegium Amplonianum de Erfurt, que recebeu em 1433, de seu fundador, o antigo reitor Amplonius Ratingk, uma extraordinária coleção de 637 livros, rica em clássicos, o que representou uma das vias de ingresso do humanismo na Alemanha. No conjunto, entretanto, as bibliotecas dos colégios continham, sobretudo, livros de estudos, destacando-se as disciplinas tradicionalmente ensinadas nas universidades. Tais bibliotecas eram, então, particularmente bem adaptadas para os homens de saber. Resta averiguar se eles ainda teriam acesso a ela após o fim de seus estudos: os estatutos conservados não parecem indicar que os visitantes externos tenham sido acolhidos com muita facilidade nas bibliotecas de colégios.
O mesmo acontecia com as bibliotecas de universidades, as quais eram, aliás, freqüentemente, muito menos importantes e que praticamente não existiam antes do século XV. Na França, constatamos entre as primeiras bibliotecas universitárias, constituídas somente por algumas dezenas de volumes, aquelas de Orléans (1411), de Avignon (1427), de Poitiers (1446) e as faculdades de medicina e de direitos canônico de Paris (1395 e 1475). Foi quase exclusivamente em Cahen que um inventário, tardio, é verdade (1515), constatou uma coleção mais substancial (277 volumes). Outras universidades eram melhor providas, como Oxford cuja biblioteca, fundada em 1412, se desenvolveu principalmente graças às doações do duque de Gloucester (280 livros entre 1439 e 1447).
No total, é provável que, no exercício cotidiano de suas atividades profissionais ou administrativas, o conjunto dos homens de saber, sobretudo os leigos — fossem eles médicos, advogados, procuradores, juízes ou oficiais do rei —, deveria, antes de tudo, contar com os recursos de sua pequena livraria pessoal... e de sua memória, eventualmente auxiliada por aqueles pequenos cadernos e anotações pessoais que alguns pedagogos os aconselhavam a começar a compor desde o tempo de seus estudos, sugerindo ainda que os mantivessem sempre à mão. Era apenas a título excepcional e para consultar esta ou aquela obra rara em sua versão original que eles deveriam buscar sua admissão em uma biblioteca universitária, eclesiástica ou principesca. Compreende-se, nessas condições, o sucesso que sempre desfrutaram na Idade Média os florilégios, repertórios, dicionários, enciclopédias e todo gênero que permitisse restringir, em alguma medida, o acesso aos livros.
Do Manuscrito ao impresso
A invenção da tipografia, que transformou completamente, tanto em rapidez quanto em quantidade, a circulação da informação escrita no seio da sociedade, foi realmente uma das revoluções técnicas mais importantes da história da humanidade. Teria ela também conseguido fazer com que seus efeitos fossem imediatamente sentidos no meio dos homens de saber da sociedade medieval?
Recordemos aqui — naturalmente deixando de lado o problema dos antecedentes chineses — que é difícil apontar para a invenção da tipografia uma data e um autor únicos, o célebre Hans Gutenberg (c.1400 - c. 1468) sendo provavelmente apenas o mais conhecido desses artesãos, geralmente ourives de origem, os quais, nos países renanos, no segundo terço do século XV, conseguiram inaugurar uma nova técnica de impressão por caracteres móveis gravados, os quais a moda das imagens xilográficas fazia, já há algum tempo, pressentir, quer pela possibilidade material, quer pelo interesse prático.
A difusão da tipografia foi relativamente lenta. Os primeiros livros impressos dos quais foram conservados alguns exemplares — a "Bíblia de 42 linhas", dita de Gutenberg, o Saltério de Mayence — datam dos anos 1450. Tratava-se então de uma técnica essencialmente germânica, implantada em Mayence, Colônia, Estrasburgo, Bâle. Além disso, durante uma geração ainda, através de toda a Europa, os impressores serão na grande maioria os alemães. Praticamente, foi apenas em 1470 que eles começaram a emigrar para além de suas fronteiras. Nessa época, apenas cinco ou seis tipografias funcionavam fora da Alemanha, sendo que as únicas que prometiam um certo futuro eram as de Veneza, onde Jean de Spire se estabeleceu em 1469, e de Paris, onde Ulrich Gering de Constance e dois companheiros vieram instalar, em 1470, sua oficina próxima da Sorbonne (senão no próprio interior do colégio) por solicitação de dois socii desta, estando tanto um como outro fortemente impregnados pelo humanismo, o Saboiano Guillaume Fichet e, da Basiléia, Jean Heynlin.
O decênio 1471-1480 viu a imprensa se multiplicar na Alemanha (em 26 localidades novas, tomando conta também da Suíça e dos Países Baixos), mas principalmente na Itália (44 localidades novas). Em compensação, a França, com sete implantações em Albi, Angers, Caen, Lyon, Poitiers, Toulouse e Viena, a Península Ibérica (oito implantações) e, de maneira surpreendente, a Inglaterra (apenas quatro implantações: Londres, Westmister, St Alban's, Oxford) ainda não haviam entrado no movimento; elas farão isso, no caso das duas primeiras, entre 1481 e 1500: 28 novas implantações na França, 19 na Península Ibérica... mas nenhuma na Inglaterra. A Alemanha (21 novas implantações) e Itália (26) conservaram, entretanto, a vanguarda, que aparece ainda mais nitidamente se considerarmos a quantidade de livros produzidos. Avaliados pelos historiadores em cerca de 27.000 edições antes de 1500, correspondendo a mais de dez milhões de livros, tal produção provinha, ao menos em quatro quintos, da Itália (44%) e da Alemanha (35%); em seguida, vinham 15% de edições francesas, e os outros países da Europa simplesmente repartiam os 5% restantes. Se, no total, cerca de 240 localidades européias haviam visto, em 1500, funcionar uma prensa de imprimir, o mapa da tipografia apresentava ainda lacunas espantosas (Bordeaux ou Montpellier na França, Cambridge na Inglaterra) e, de qualquer modo, seria necessário, para ser preciso, distinguir as localidades onde impressores itinerantes simplesmente haviam passado, deslocando-se com sua prensa e seus caracteres, e cuja modesta atividade não fizera nascer uma produção regular, daquelas onde as oficinas de tipografia se instalaram com atraso, dado que estas podiam se beneficiar dos capitais e dos clientes com segurança. No segundo caso, o único verdadeiramente importante, as grandes cidades alemãs de um lado, Veneza de outro, vinham imediatamente à frente; na França, foi Paris que, de longe, venceu, com uma produção três vezes maior do que aquela de Lyon.
Mais ainda que a reprodução do livro impresso, é sua difusão que nos interessa aqui. Entre uma e outra, havia evidentemente alguns desníveis. Podiam-se importar livros alemães ou italianos na França ou na Inglaterra para diminuir as fraquezas da imprensa local. Ao contrário, a aparição da tipografia não terminou de uma vez com as atividades dos copistas de manuscritos; mesmo que a produção destes tenha sofrido inflexões por toda parte e mais claramente após 1470, continuou-se a transcrever livros manuscritos até o início do século XVI. E, de qualquer maneira, os manuscritos mais antigos continuavam a ser utilizados e a circular. Aqueles que possuíam belas coleções — sendo que, dentre eles, destacavam-se precisamente os homens de saber — tinham tendência a conservá-los e não substituí-los, a não ser progressivamente, pelos livros impressos. Estes, de fato, custavam menos, mas estamos mal informados sobre o ritmo perante o qual aconteceu o distanciamento entre manuscritos e impressos em termos de preço; não se pode esquecer que os primeiros livros impressos freqüentemente tiveram modestas tiragens, por vezes da ordem de cem exemplares, e não eram então necessariamente tão bem comercializados e nem muito acessíveis.
Os estudos bem precisos fazem-nos pensar que, por volta de 1480, a parte da impressão nas "bibliotecas do saber" francesas não passava dos 6% e que foi apenas por volta de 1500 que ela passou para mais de 50%. A evolução parece ter sido a mesma por todo lado, anterior em dez ou quinze anos na Itália, mais lenta ainda na Inglaterra.
Aliás, teriam sido os homens de saber os principais clientes da nova invenção? Efetivamente, como se tem observado há tempos, os textos impressos do século XV foram, em sua grande maioria, os textos "medievais" cujo mercado parecia assegurado. Mas não eram necessariamente esses os que tinham a preferência das bibliotecas eruditas. Em primeiro lugar, encontram-se livros religiosos, que constituem quase a metade da produção incunábula: tratava-se, por um lado, de Bíblias, por outro, de livros litúrgicos (missais, breviários, livros de horas), enfim, tratados de espiritualidade, livros de devoção, vidas de santos, etc., em latim ou em língua vulgar. Outra categoria bem provida: a gramática; porém tratava-se de obras elementares (o Donato, o Doctrinale de Alexandre de Ville-Dieu, os Dísticos de Catão, etc.) que eram dirigidos tanto aos alunos das escolas primárias quanto aos estudantes da faculdade de artes; eles puderam servir para a melhoria dos ensinamentos de base, não para a renovação cultural das elites. Vinha finalmente a literatura profana, geralmente em língua vernácula: enciclopédias e florilégios, crônicas, versões mais ou menos modernizadas das canções de gesta ou dos romances corteses, para uso, sem dúvida, de um público aristocrático, que se aproximavam com obras decididamente populares, do gênero dos almanaques e outros "calendários dos pastores".
Em compensação, os textos eruditos, dos quais existiam, sobretudo nas cidades universitárias, centenas de manuscritos, não tiveram a não ser elegantemente e com freqüência tardiamente as honras da impressão. Nem as Sentenças de Pedro Lombardo, nem os grandes doutores da escolástica, de Tomás de Aquino e Alberto Magno, até Gerson, foram impressos em Paris antes de 1500; aquelas edições que lhes foram oferecidas, depois de 1480, vieram da Alemanha ou da Itália. Poder-se-ia dizer o mesmo de Aristóteles ou dos Corpus e comentários de direito romano e canônico. Os textos jurídicos, que ocupavam um tal lugar nas bibliotecas eruditas da Idade Média, praticamente não representam mais de 10% das edições incunábulas, produzidas principalmente em Lyon ou na Itália. Ou seja, foram os textos propriamente humanistas, quer dizer, os clássicos (latinos e, cada vez mais, os gregos) e as obras de autores italianos recentes que teriam sido os livros impressos mais procurados pelos letrados, inclusive na França ou na Inglaterra, porque precisamente os manuscritos lá eram raros. Os primeiros livros editados na Sorbonne, no prelo de Ulrich Gering (que teria sido aconselhado por Fichet e Heynlin)em 1470-1472, assinalavam quase tudo desta categoria: Gering começou por um manual italiano de arte epistolar, aquele de Gasparin de Bergame, depois editou Salluste, Cícero, Perse, Juvenal, etc., ao mesmo tempo que os modernos (os Elegentiae de Lorenzo Valla e a Rhétorique do próprio Fichet). Mas deve-se recordar que, desde 1472, esse mesmo Gering deixara a Sorbonne e, tendo transferido sua oficina para a Rua Saint-Jacques, ele retornou aos textos universitários mais tradicionais e, sobretudo, às obras de piedade.
Em suma, acredito que se pode concluir que, desde os primeiros decênios de sua existência, a imprensa alargou consideravelmente o público da cultura escrita. Os meios populares, pelo menos urbanos, não se conservariam mais á parte do mundo do livro; os oficiais subalternos (sargentos, notários, etc.), os simples vigários tiveram, dali por diante, a possibilidade de constituir para si próprios um embrião de biblioteca, ainda que fosse com apenas uma dezena de volumes. Vê-se, por toda parte, entre 1480 e 1530, multiplicarem-se essas "bibliotecas mínimas", de acordo com a expressão de Pierre Aquilon. Além disso, a tipografia certamente permitiu um efetivo progresso cultural nos meios aristocráticos. Vê-se então constituírem-se belas bibliotecas, principalmente literárias e vernáculas. A isso deve-se evidentemente aliar o novo impulso então proporcionado às grandes bibliotecas principescas.
Mas, no que concerne aos homens de saber, colocando-se à parte, sem dúvida, uma elite de humanistas, geralmente italianos estimulados por novas idéias e sempre curiosos de novos textos, não se percebe em que medida, antes de 1500, os progressos do livro impresso modificaram as proporções ou a composição das bibliotecas. (...)
NOTAS:
(1) O sistema de pecia, que apareceu em Bolonha e em Paris durante o século XIII, consistia em confiar aos livreiros da universidade exemplares oficialmente controlados dos principais livros de estudo; tais exemplares eram feitos de cadernos (pecioe) não ligados, o que permitia serem alocados para inúmeros copistas ao mesmo tempo; estes podiam, então, produzir simultaneamente muitas cópias do mesmo livro.
(2) As primeiras bibliotecas públicas, no sentido moderno da palavra, apareceram no curso do século XV em Florença, em Veneza e em algumas cidades alemãs.
Os Livros na Idade Média - Jacques Verger
Tradução de Carlota Boto
Capítulo III da obra Homens e Saber na Idade Média (Bauru/SP: Edusc, 1999).
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